28 de jun. de 2006

O Guerreiro

Dos seus terraços,
elas fazem-lhe sinais,
convidam-no, chamam-no.
Ele fecha os olhos e avança.
Nao obteríeis por resposta
senao um sorriso silencioso.

27 de jun. de 2006

qualquer coisa

Tenho medo de voltar.
Longe da cela,
a chuva sobre mim
era como lâmina quente.
Ventanias que passam,
Cataventos que rodam.
Caçoava do destino,
porque grave seria a morte.
Como o silencioso bater das asas no abismo da liberdade.

22 de jun. de 2006

Caminho

Desfaz o fermento amargo que o tempo traz
Aqui reina uma paz amena... encha seu coração
Arrasta-a para dentro de ti.
Na unidade da alma e da razão
Nós vivemos da luz, como os Deuses,
com seus traços deslumbrantes.
Do pântano nasce o Lótus
Que trago em meus ombros.
Não morra sem ter vivido,
sem ter amado,
sem ter tido a sua hora divina.

Para Luis Augusto (em algum lugar do universo)

Caminhas sobre os conceitos.

Uma perfeita antitese e um contraste completo,
fragmentos para fora do vidro.
Tão breve.
Tão certo.
Um salto a penetrar o abismo do espaço e do tempo.
Vai. Segue.
A procura é tanta...
O encontro, um segredo.
A morte não parece ser a fonte:
Tira deles tudo que eles sabem.
As diversidades concordantes revestem-se de um mútuo encanto.
Como a te esperar a compreender a natureza.

21 de jun. de 2006

Cotidiano

Deus não me socorreu.
Me ofereceram rios, as águas do paraíso
- aqui, confesso, tenho sede. Bebe-lo-ia num trago.
A impureza ingenua imperceptivel na sensibilidade refinada.
É quieto agora:
Lia fragmentos de memoria escolhidos.
Um grito preso,
de gole em gole torna-se ébrio,
esse mundo que desconheço.
Apenas um sopro na infinita madrugada.

17 de jun. de 2006

Refazer

Pesadelos da carne que se desfaz.
Na solidão fui refugiar-me,
nua e enegrecida, como seu cume.
Sopro de incerteza.
Pensava que cuspia os sentimentos,
mas só voava bêbada sobre a cidade.

Re-facto

Dor em preto e branco
dura e liquida como a vida.
Na generalidade atordoadora,
daquelas que se perde o gosto de viver,
não receio nada.
No espelho essa dor da vida que devora:
a minha voz muda,
meu canto cala,
permaneço e me desfaço.
O meu passado morto rege o meu destino
para tornar-me livre.

16 de jun. de 2006

Sonhos que são

Dispa-se dos pudores,
Das trilhas sinuosas que desvias.
Caminhas em teu próprio labirinto,
perdida, como todos... caminhas.
Sobrevive ao tempo que te devora.
Embriaga-te sem cessar,
De vinho, de poesia ou de virtude.
Para alguns, apenas as loucuras,
Na terra e nos lábios do homem.

Lucidez

Eu apenas vou
Nas entrelinhas ousadas
Pro sol disfarçar.
Caminho,
Por entre duendes e gnomos
A procura de cogumelos,
Em qualquer lugar longe do fim.
Nesse emaranhado de pensamentos,
Originalidade em conflito.
Como saber se podemos?
Palavras não saboreiam.
Mas, se ela nos alcança,
Nos engole.
Só o óbvio me ocorre,
Um mero aprendiz do destino.

Divagações

Um olhar procura algo que se perdeu

Sera voce, ou serei eu?

Perguntas sem respostas

Tendo por testemunha

Somente um escrito.

Sera que os pardais podem me ajudar?

Para um amigo (mozaico)

Sê, ante tudo
O mistério de teus olhos
Nas asas de uma libélula.
Sê livre, sê leve.
Um breve rascunho,
da tempestade à glória.
Solta-te ao inverso,
mostra tua força,
tua garra, tua voz e tuas armas.
Sê livre,
inspira-te ao olhar para a lua
Embora quem ouça de tua música
Nâo precise de outras inspirações.
Sê leve,
como a pluma que segue pelas ondas do universo.
Num trágico defeito vejo num segundo
Tudo de seu mundo de poeta e louco.

15 de jun. de 2006

Devaneios

Cravo punhais de ansiedade em meu peito
Tentando aprisionar num segundo
A toada melancolica da vida.
E uma calma impressionante
Perturba o sobressalto
das idéias que esvoaçam.

Velha bruxa

Subiu as escadas
Exultante, contando os degraus.
O dia estava no fim,
e o horizonte anunciava uma noite fria.
Na varanda, sentada naquela poltrona
Estava a velha Ester.
Tentando pegar com os dedos dos pes
Os gravetos que caiam.

Talvez, quem sabe

Eu sinto
Um frio por dentro,
Uma vontade louca
de sair de mim.
E ir por ai, quem sabe,
Talvez voando
Talvez correndo.

Luara

Lá fora o frio cortante,
Numa noite linda
O céu enfeitado de estrelas
E a lua, ah! a lua
Quem dera alcança-la
Com as pontas dos dedos
E fazê-la girar, girar...

Algumas palavras soltas no ar... assim, meio haicais.

I

Vem de repente,
Como um repente.
Me jogo, me solto.
Te agarro.

II

Não castro o meu amor.
Nunca o tive.
Sempre o senti.
Assim, meio de leve.

III

Atributos opulentos,
Corpulento, quem sabe.
Eu não acharia nada aqui.
Só o vento.

IV
Quando o céu se abrir
E de lá surgirem visões inacreditáveis
Acreditarei
Que tudo não passou de um sonho.

Construção

Se eu te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo
Ainda assim
Existe essa aflição
De ser eu, e não ser outra.

Desejo da carne (para Hilda Hilst)

O desejo, a mim não me faz medo.
Mesmo que eu desconstrua
Meus pequenos amores,
Não vou chorar arrependida
Pelas besteiras consumidas
Tenho em mim
Todos os sonhos do mundo.

Mundana


Hoje to meio assim
Vermelha
Boca, unha, buceta
Uma coisa um tanto puta
Sacana
Viadinha mesmo.

Assim...

Entre nós havia uma certa paisagem
De pedras e sobressaltos
Uma formalidade fria e cortante
De quem não se intimida
Quando desisto é que me surges
E sem te despedires
Foste embora.

Minha descida ao inferno (Baudeleriando)

E essa descida ao inferno,
a descer sempre um degrau na escada.
Tolice e erro.
Na noite espessa o frágil monstro
se alimenta de tuas maldições.
Sua língua em chamas
engole a espuma do ódio e embriaga-se
no ópio divinal.
Fardo tão pesado...
Torna minha alma um sepulcro
e me torna escrava do tempo.
Tempo esse que me escorre pelos dedos,
num vazio abismal,
E deixa o meu coração embriagar-se de um mito.
Assim, na noite negra
seu fantasma pelo ar,
revela-se aos vagos desejos perdidos.
Salvando me do risco e de todo o agravo.
Eu era como a criança.
Estupidamente frágil e ávida do espetáculo.
Desse desejo infernal que me enche de pranto.